Dois trabalhadores domésticos foram resgatados de condições análogas às de escravo, em Planura (MG), envolvendo tortura, abusos sexuais e outras violências. Uma das vítimas, explorada por quase nove anos, teve o corpo tatuado com as iniciais “A.J”, que seriam de dois dos três patrões, como forma demonstrar que o consideravam uma “propriedade”. Os trabalhadores haviam sido aliciados pelo Facebook e pelo Instagram. Também foi encontrado um caso de trabalho infantil.
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A operação foi conduzida por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, procuradores do Ministério Público do Trabalho e agentes da Polícia Federal entre os dias 8 e 15 de abril. As vítimas foram retiradas da cidade e estão recebendo assistência das clínicas de enfrentamento ao trabalho escravo do Centro Universitário Presidente Antonio Carlos (Unipac) e da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
“A operação alcançou duas vítimas submetidas a um processo de coisificação e dominação extremamente hediondo, em que a violência da submissão ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas foi agravada por relatos de abusos físicos, sexuais e psicológicos sistemáticos, impondo a elas um ambiente de exploração e controle absoluto”, afirmou o auditor fiscal do trabalho Humberto Camasmie e coordenador da operação, ao UOL.
Aliciamento pelas redes sociais 4bp3v
Os empregadores usaram as redes sociais para estabelecer contato inicial com pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica e afetiva, oferecendo promessas falsas de trabalho e acolhimento. Eles se aproveitavam da confiança estabelecida em ambientes virtuais em comunidades LGBT+.
As investigações revelaram que o empregado doméstico, um homem homossexual, foi explorado por quase nove anos e era vítima de múltiplas violações: não recebia salário, não tinha registro em carteira, trabalhava em jornadas exaustivas sem férias ou descanso e vivia sob constante vigilância e ameaças. Os empregadores gravaram abusos sexuais, e os vídeos eram usados como instrumento de chantagem e controle emocional. Em uma das gravações, ele aparece nu, com grampos presos ao corpo, enquanto os patrões assistem e tocam música ao fundo. Outro vídeo mostra uma tentativa de enforcamento. Também foi documentado um episódio em que foi obrigado a comer as próprias fezes após ter seu ânus mutilado e costurado de forma improvisada. As marcas físicas dessas violências foram periciadas e fotografadas.
“A tatuagem também representa um perverso indicador da submissão à escravidão a que ele estava submetido, pois funcionava como sinal de posse, de controle sobre o corpo da vítima. A imposição da tatuagem, feita com o intuito simbólico de marcar a vítima como subordinada, reforça a condição de completa sujeição aos empregadores”, afirma o relatório de fiscalização. Depois, por ordem dos empregadores, o trabalhador cobriu a tatuagem com outro desenho.
A outra pessoa resgatada é uma mulher trans de nacionalidade uruguaia, também aliciada por meio das redes sociais. Em depoimento, ela relatou que, em julho de 2024, aceitou proposta de trabalho com salário de R$ 700 mensais. No entanto, do valor eram descontadas despesas de alimentação, moradia, internet e luz, restando-lhe cerca de R$ 100.
Ela trabalhou por seis meses para o trio, sendo que nos três primeiros viveu com eles sob medo constante de ser submetida às mesmas agressões que o outro trabalhador. Segundo ela, os patrões diziam que ele era “o escravo da casa”. De tanto estresse, ela teve um acidente vascular cerebral enquanto trabalhava no local.