O relatório “Aprenda a evitar ‘este tipo’ de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube” mostra como canais divulgam mensagens de ódio contra as mulheres e transformam misoginia em um negócio lucrativo na plataforma mais assistida no país. Muitos desses canais adotam pelo menos uma estratégia de monetização, como anúncios, doações em transmissões ao vivo, s e venda de serviços e produtos. “Desprezo às mulheres e insurgência masculina” é o tema mais recorrente, presente em 42% dos títulos dos vídeos analisados.
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O mapeamento inédito foi realizado pelo Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, parceria do NetLab-UFRJ com o Ministério das Mulheres, e divulgado em dezembro de 2024. Foram analisados computacionalmente 76,3 mil vídeos para traçar um panorama da chamada “machosfera”, rede de influenciadores e comunidades digitais masculinistas.
A busca por expressões e canais problemáticos no YouTube levou a 76,3 mil vídeos, que compam o corpus de análise geral da pesquisa. Essa plataforma foi escolhida por ser a mais ada no Brasil, concentrando 18,6% do conteúdo audiovisual, com 147 milhões de usuários ativos por mês.
A amostra abarcou 7.812 canais, com mais de 4,1 bilhões de visualizações e 23 milhões de comentários. Após refinamento, foram selecionados 601 canais para a análise qualitativa, que confirmou a existência de pelo menos 137 canais explicitamente misóginos na plataforma. Esse tipo de vídeo aumentou significativamente nos últimos anos; 88% foram publicados entre 2022 e 2024.
A chamada “machosfera” se divide em “subculturas com diferentes níveis de misoginia, como os red pills, incels e até nomes menos conhecidos, como os ‘pick-up artists’, que ensinam técnicas de manipulação para conquistar mulheres e reforçam estereótipos de gênero”, diz Débora Salles, coordenadora do NetLab da UFRJ. “Observamos que o ódio contra as mulheres se transformou num negócio rentável, não só para esses canais, mas principalmente para as plataformas, nesse caso, para o YouTube.”
Desprezo a feministas, mãe solo e mulheres com mais de 30 anos 343q1b
O estudo observou de maneira qualitativa os vídeos dos 137 canais com conteúdos explicitamente misóginos. Juntos, eles publicaram, nos últimos seis anos, mais de 105 mil vídeos. Em média, têm 152 mil inscritos e somam 3,9 bilhões de visualizações em seus conteúdos, evidenciando a relevância desse ecossistema tóxico no ambiente digital; 80% desses canais utilizam estratégias de monetização, como anúncios, Super Chat, doações e vendas de produtos.
Em seus conteúdos, os influenciadores propagam ódio, aversão, controle e desprezo às mulheres. As mais atacadas são feministas, mães solo e mulheres com mais de 30 anos. Perpetuam perspectivas discriminatórias e, muitas vezes, incentivam técnicas de tratamento às mulheres baseadas na violência psicológica e na manipulação emocional. Foram identificados 89 canais que, diretamente, ofendem ou incitam a aversão a mulheres descritas como feministas ou ao feminismo.
Muitas das mensagens são disfarçadas de “desenvolvimento pessoal masculino”, o que dificulta sua identificação pelos sistemas de moderação das plataformas digitais. Os vídeos reforçam estereótipos prejudiciais às mulheres, como desumanização baseada na aparência e no intelecto e ataques a feministas. As mulheres são reduzidas a objetos sexuais ou meramente reprodutoras, avaliadas com notas por sua aparência e descartadas caso sejam gordas, tenham mais do que 30 anos, sejam consideradas feias ou com baixo “Valor Sexual de Mercado”. Além disso, são desumanizadas em imagens humilhantes que as retratam em posições de subjugação.
“Desprezo às mulheres e estímulo à insurgência masculina” 243u3f
Mais de 33 mil títulos de vídeos analisados exploram temas relacionados ao “Desprezo às mulheres e estímulo à insurgência masculina” contra uma suposta dominação feminina. Os dados mostram que a divulgação dos vídeos no YouTube possibilita a formação de comunidades que se articulam, inclusive financeiramente, em torno de discursos com elementos misóginos. Aspectos como vocabulário próprio, participação de espaços s, interações entre os influenciadores e com o público e venda de produtos e serviços são alguns indicativos da comunidade formada em torno da misoginia.
“Sem a devida regulamentação e fiscalização das plataformas digitais, a misoginia vem se tornando mais do que um tipo de discurso perigoso, mas também um ‘produto’ lucrativo, muitas vezes vendido como desenvolvimento masculino”, destaca Marie Santini, fundadora e coordenadora do NetLab.

Segundo especialistas, a cultura da machosfera ajudou a criar um ambiente tóxico para as mulheres nas redes sociais, especialmente aquelas com algum tipo de atuação pública. “Determinados discursos são silenciadores de mulheres e atacam diretamente sua liberdade de expressão”, afirma Mariana Valente, professora da Universidade de St. Gallen e diretora do InternetLab, centro independente de pesquisa focado em internet e direitos humanos.
Embora não seja possível relacionar diretamente a circulação de discursos misóginos com o aumento da violência, a pesquisa contribui com pistas para compreender melhor essa relação. Entre 2021 e 2024, o volume de vídeos mapeados pelo estudo aumentou muito. No mesmo período, o número de feminicídios no Brasil também cresceu: em 2021, foram registrados 1.347 mortes de mulheres em função do seu gênero. Em 2023, o número de vítimas foi de 1.463. O número de casos de violência doméstica e familiar aumentou quase 10% entre 2022 e 2023.
Com informações do relatório “Aprenda a evitar ‘esse tipo’ de mulher…”, Ministério das Mulheres e Deutsche Welle