O Ministério Público do Trabalho (MPT) pode responsabilizar as vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi pela contratação de mão de obra análoga à escravidão para a colheita de uva em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Ao longo desta semana, será designada audiência com a empresa empregadora, a Fênix Serviços de Apoio istrativo de Bento Gonçalves, e com as vinícolas tomadoras para prosseguimento da negociação de indenizações individuais e coletiva e também para fixação de obrigações que previnam novas ocorrências.
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Na operação, que envolveu também a Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e agentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram resgatados 207 trabalhadores, de 18 a 57 anos, a grande maioria vinda da Bahia, mesmo estado do aliciador Pedro Augusto Oliveira de Santana, 45 anos, que chegou a ser preso, mas foi liberado após pagar fiança no valor de R$ 39.060.
Com relação às empresas tomadoras é preciso garantir reparação coletiva e medidas de prevenção, já foram instaurados procedimentos investigativos contra as três vinícolas já identificadas , afirmou a procuradora do MPT Ana Lucia Stumpf González. O gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Vanius Corte, afirmou também que as três vinícolas podem ser responsabilizadas pelo pagamento dos direitos trabalhistas, caso o contratante original não faça a quitação. Segundo ele, isso ocorre porque as vinícolas têm responsabilidade subsidiária em relação aos trabalhadores que prestaram serviços, mesmo sendo contratados por terceiros. Ou seja, quando o devedor principal não pode pagar totalmente o débito, a despesa é arcada por quem contou com essa mão de obra. No caso, a responsabilização seria financeira, mas não haverá processo criminal contra as vinícolas.
Corte também explicou que as empresas foram incluídas na investigação porque têm a obrigação de fiscalizar quem são as pessoas contratadas de forma terceirizada. Ele disse que produtores rurais que têm relação com o agenciador serão investigados. A informação foi dada por Corte em entrevista à Rádio Gaúcha.
Indenizações devem chegar a R$ 1 milhão 611b63
Na noite de sexta-feira, 24, os trabalhadores receberam parte das suas verbas rescisórias e foram enviados de volta para seu estado natal em quatro ônibus fretados, com garantia de custeio da alimentação durante o trajeto. Apenas 12 dos resgatados permaneceram no Rio Grande do Sul, por serem aqui residentes ou por não terem manifestado interesse em retornar.
Como forma de adiantar o pagamento das verbas rescisórias aos resgatados, foi negociado com o proprietário da empresa contratante um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) Emergencial garantindo que cada trabalhador recebesse R$ 500,00 em dinheiro. O restante das verbas devidas será quitado até terça-feira, 28. Está estabelecido no TAC que o empresário deverá apresentar a comprovação dos pagamentos sob pena de ajuizamento de uma ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido. Até o momento, estima-se que o cálculo total das verbas rescisórias ultrae R$ 1 milhão. O custo do transporte dos trabalhadores de volta à Bahia também ficou sob responsabilidade do contratante. Os valores desembolsados pela empresa contratante, segundo o TAC, também não quitam os contratos de trabalho, nem importam em renúncia de direitos individuais trabalhistas, que poderão ser reclamados pelos trabalhadores. Os próximos os são acompanhar o integral pagamento dos valores devidos aos trabalhadores, estabelecer obrigações para prevenir novas ocorrências com relação a esse grupo de empresas intermediadoras , afirmou a procuradora Stumpf González.
Entenda 66112m
O caso só foi descoberto porque um grupo conseguiu fugir e fazer a denúncia à PRF. Segundo a PRF, três trabalhadores procuraram os policiais na Unidade Operacional da PRF em Caxias do Sul e informaram que tinham acabado de fugir de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. A PRF acionou o MTE e a PF para deslocar ao endereço indicado e confirmar a informação dos trabalhadores. As equipes foram até o local que seria utilizado como alojamento pelos homens e os Auditores do Trabalho constataram que havia em torno de 150 homens em situação análoga à escravidão .
Os trabalhadores recebiam comida estragada, tinham de trabalhar com roupas molhadas, sem banho quente, e eram obrigados a realizar compras apenas em um mercadinho, com produtos superfaturados e o valor descontado dos salários, o que gerava dívidas dos trabalhadores com o aliciador, pretexto por meio do qual eram impedidos de deixar o local, sob ameaças a eles próprios e aos familiares que vivem na Bahia.
Os trabalhadores também relataram terem sido vítimas de violência física. Um dos trabalhadores que conseguiu escapar contou ao jornal Pioneiro que, apesar das circunstâncias de trabalho diferentes do prometido quando da contratação, tentou relevar, mas acabou decidindo gravar um vídeo denunciando as condições. Após a gravação, foi violentamente agredido e ameaçado: Tomei cadeirada, spray de pimenta, estou com os dentes moles. Eu escutei eles falando que um carro estava vindo para levar para me matarem. O tempo dos escravos eu não vivi, acho que nem minha bisavó viveu. Hoje vai existir escravo de novo? Não vai. O que depender de mim, não vai, eu vou abrir minha boca, eu vou falar que tá errado , disse.
Problema se repete anualmente na colheita da uva 33165v
De acordo com o MTE, já foram feitas outras operações do mesmo tipo, neste ano, em Nova Roma do Sul, Caxias do Sul, Flores da Cunha e também em Bento Gonçalves. Dois locais que serviam como alojamentos foram interditados por apresentarem problemas de segurança em instalações elétricas, superlotação e questões de higiene. No total, foram vistoriadas 24 propriedades rurais nessas cidades e identificados 170 trabalhadores sem registro.
Ministério tem mesmo quadro de 25 anos atrás 2j6y12
A precarização vivida nos últimos anos pelo conjunto do serviço público também atinge o Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelas fiscalizações de combate ao trabalho análogo à escravidão, de forma que operações como a de Bento Gonçalves não dependam de fugas de trabalhadores. A situação no órgão é de grave falta de servidores e servidoras. Conforme o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), o último concurso foi realizado em 2013, com apenas 100 vagas, que não foram todas preenchidas até agora. Dessa forma, cerca de 40% do quadro está vago, com quase 1.500 vagas em aberto. Ainda conforme o Sinait, a carreira da Auditoria-Fiscal do Trabalho está operando no limite, com menos de 2 mil auditores em atividade, o mesmo quadro de 25 anos atrás. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em reunião com o Sinait neste mês, disse que está buscando viabilizar a realização de um concurso o quanto antes, se possível ainda neste ano.
Parte do problema é oriundo da emenda constitucional (EC) 95/2016, do teto de gastos, que congela os gastos públicos por vinte anos. Tanto para a contratação de fiscais quanto para outros servidores e servidoras dos demais órgãos públicos, a EC 95 impede o suprimento de cargos vagos, prejudicando a qualidade dos mais diversos serviços públicos dos quais a população necessita, incluindo a fiscalização de direitos trabalhistas. Assim, a revogação da EC 95 é uma necessidade para que o serviço público seja fortalecido e e a atender às necessidades da sociedade brasileira.
Resolução que ameaça varas trabalhistas precisa ser revogada 5f6p2k
Muitos casos de exploração de trabalho análogo à escravidão acabam sendo enviados à Justiça do Trabalho, principalmente quando não há de termo de ajuste de conduta (TAC) ou seu cumprimento posterior. Essas situações reforçam a importância da presença da Justiça do Trabalho em todas as regiões, em especial no interior.
Nesse contexto, é necessário que seja definitivamente revogada a resolução 296/2021 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). Essa resolução, suspensa até junho deste ano após pressão de servidores e comunidades, traz uma ameaça imediata a dezenas de varas trabalhistas em todo o país, inclusive no Rio Grande do Sul. A resolução determina que os tribunais regionais realizem a adequação da jurisdição ou transferência de unidades judiciárias de primeiro grau que tenham apresentado distribuição processual inferior a 50% (cinquenta por cento) da média de casos novos por Vara do Trabalho do respectivo tribunal, no último triênio . Se aplicada, pode deixar sem o à Justiça do Trabalho justamente quem é mais vulnerável. As áreas mais afastadas e de cidades menores, com maiores áreas rurais, registram maior incidência de trabalho análogo à escravidão justamente por estarem mais afastadas dos grandes centros e da fiscalização, e o fechamento de varas trabalhistas pode agravar o problema.
Fonte: CUT/RS; editado por Sintrajufe/RS