SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT 48562h

TRABALHO REMOTO 373g68

Especialistas alertam, em grupo focal do Sintrajufe/RS, para os riscos psí­quicos e sociais do trabalho à distância e o excesso de conexão 1et62

Na última semana, o Sintrajufe/RS promoveu reunião do grupo focal temático. Para debater Trabalho remoto: como estão as relações laborais no Judiciário Federal e no MPU? , a atividade contou com a participação da professora da UnB e especialista em psicologia social e do trabalho Ana Magnólia Mendes e da psicóloga da assessoria de saúde do Sintrajufe/RS, Vera Moura. Ambas alertaram para os riscos psí­quicos e sociais do trabalho à distância, seja em trabalho remoto forçado , situação atual, seja na modalidade mais estruturada de teletrabalho .

A direção do Sintrajufe/RS tem posição pela permanência do trabalho remoto na categoria, garantindo a prestação jurisdicional à população até que a situação sanitária da pandemia do coronaví­rus seja controlada e garanta condições de trabalho sem riscos desnecessários para a categoria. Isso não significa, porém, descuidar das condições de trabalho e do agravamento dos problemas de saúde trazidos por essa modalidade de trabalho. Outra preocupação é o fato de que essa modalidade está avançando como modelo pós pandemia e, por isso, é preciso aumentar a escuta da categoria e buscar o olhar crí­tico apontando problemas e soluções que contribuam com a saúde fí­sica e mental das trabalhadoras e trabalhadores do Judiciário Federal e MPU.

Na abertura da reunião, a diretora do Sintrajufe/RS Cristina Viana, que mediou o debate, lembrou que, em meio à pandemia, a tendência de aumento do trabalho à distância foi acelerada. O que se nota, porém, alertou Cristina, é um aumento da sobrecarga de trabalho e diversos problemas ocasionados a trabalhadores e trabalhadoras, como a dificuldade de organizar o tempo e de separar os momentos e espaços de trabalho dos de descanso e lazer. A partir dessa provocação, a dirigente ou a palavra às especialistas, que aprofundaram e explicaram tecnicamente alguns dos efeitos desse processo.

Laços sociais perversos 3r2k2z

Ana Magnólia Mendes foi a primeira a falar, e iniciou sua apresentação destacando que o capitalismo neoliberal digital vem agravando os processos de exclusão dos cidadãos e das cidadãs dos espaços de trabalho, calando os momentos de fala, prejudicando a escuta e trazendo riscos à democracia. A partir de seus estudos em psicopatologia e psicopolí­tica no trabalho, Ana apontou que o discurso capitalista e colonial produz um laço social perverso, no qual muitas vezes os trabalhadores assumem esse discurso e não se reconhecem como trabalhadores. Esse laço social perverso produz diversas patologias sociais, das quais destacou quatro: melancolização, fobia, insuficiência, indiferença. Todas elas, produzidas no ambiente de trabalho, legitimam e fortalecem os laços sociais perversos, gerando uma tirania no trabalho e, como decorrência, o adoecimento de trabalhadores e trabalhadoras.

Nesse sentido, a especialista questionou que tipo de laço é produzido no trabalho remoto. Antes de aprofundar a questão, abriu um parêntese para falar da ideia de teletrabalho . Neste momento, afirmou, o que está ocorrendo deve ser chamado de trabalho não presencial compulsório , extremamente precarizado. Porém, Ana apontou que mesmo o teletrabalho , como forma laboral organizada, traz diversos problemas, o que discutiria a seguir: Teletrabalho não deve ser para todos e, se for uma modalidade mista, precisa ser regulamentada. Às vezes estamos lutando para legalizar a precarização. A luta tem que ser contra o teletrabalho , disse.

Ana Magnólia destacou algumas caracterí­sticas dessas modalidades de trabalho que, por sua vez, geram as patologias que referira pouco antes. Uma dessas caracterí­sticas é o que chamou de hiper racionalidade tudo precisa ser mediado, as salas de reunião devem ser controladas, os microfones e câmeras ligados e desligados, etc. O sujeito torna-se equivalente à máquina, o que produz graves efeitos na subjetividade: se a máquina é perfeita, há culpabilização do sujeito, tido como dono de si pela perspectiva neoliberal. Ao aumento das decisões que o trabalhador vê-se obrigado a tomar, soma-se a dificuldade de não encontrar, nos colegas, e para, em meio a trocas e diálogo, tomar essas decisões. No mesmo sentido, a especialista acrescenta a caracterí­stica da exacerbação do controle , com as diferenças culturais subjugadas por padrões impostos de comportamento, subjetividade e racionalidade, uma tirania do igual .

Excesso de conexão 3v1t6h

Outra caracterí­stica é o excesso de conexão , que traz problemas de identidade para trabalhadores e trabalhadoras, cuja personalidade torna-se inseparával da máquina, dos aplicativos, dos sistemas. Acresce-se a isso a ausência da experiências humanas pelo aprisonamento dos gestos, do corpo, o apagamento dos sinais de socialização e de construção do laço social, com o sujeito fechado no ambiente ultracontrolado do digital. Retira-se, ainda, o direito de pensar, de elaborar, de refletir, de discutir e de transformar, já que fecham-se as portas para os debates, discussões e questionamentos possí­veis de forma palpável e imediata quando o trabalho é presencial.

Todas essas caracterí­sticas são afirmadas e legitimadas pelo discurso da liberdade e da eficiência,mas vão criando automação e simplificação do pensamento dos trabalhadores e das trabalhadoras, que se transformam em meros operadores, gerando superficialidade e empobrecimento da criatividade e da inventividade e criando, entre outros problemas subjetivos, a necessidade de controle do imprevisto, justamente o que faria o trabalho ser vivo, social, coletivo. Isso exclui o sujeito da existência ético-polí­tica, da ação, o que a a gerar patologias. A questão se concentra em quais direitos, quais racionalidades e quais laços sociais são produzidos por esse formato de trabalho , concluiu.

Que ser humano estamos produzindo? 5b63z

A seguir, a psicóloga Vera Moura, da assessoria de saúde do Sintrajufe/RS, complementou a fala da Ana Magnólia com apontamentos sobre suas próprias experiências em ensino à distância, com o qual trabalha desde 2005. Naquela época, destacou Vera, nem se falava de todos esses riscos, havendo sempre uma tendência a enaltercer o trabalho à distância como uma forma de liberdade, sendo dominante a perspectiva do trabalho liberal.

Em 2005, contou Vera, ela lecionava uma disciplina sobre processos de ensino e arendizagem, explicando como foram esses processos do ponto de vista da história da humanidade. Considerou, nesse sentido, três tempos: o iní­cio das relações humanas, com a transmissão de conhecimento por meio da oralidade (e, portanto, com a necessidade da presença fí­sica); a invenção da escrita, que convive com a oralidade e acrescenta a possibilidade de permanência e difusão do conhecimento; e, por fim, a informatização, com velocidade avassaladora de transformações na vida dos seres humanos. Para ela, esse universo em que estamos mergulhados é muito mais propí­cio para causar problemas, dificuldades e sofrimento do que para possibilitar aproximação .

Conforme a psicóloga, há diferença substancial na riqueza das conexões cerebrais em encontros presenciais e digitais. Por isso, para o ensino, por exemplo, o encontro é fundamental: Não há ensino mais eficaz do que o que tem a presença do professor e dos outros colegas defendeu. E concluiu com uma preocupação: não sabemos que ser humano é esse que está sendo produzido a partir desse modo de nos relacionarmos e de trabalharmos .

Sobrecarga e isolamento y5s5a

Após as falas das istas, foi aberto espaço para comentários e relatos dos e das colegas que participavam do encontroe que também fizeram apontamentos, durante as palestras, no espaço do chat. Foram relatadas experiências de sobrecarga de trabalho, dificuldades para conciliar as tarefas domésticas e para separar o trabalho da vida em famí­lia ou do lazer. Servidores e servidoras também falaram das dificuldades da comunicação digital sem ruí­dos, além do problema da exigência informal de disponibilidade 24 horas, especialmente a partir de grupos de Whatsapp. O isolamento e a falta de apoio de colegas e chefias também foram apontados como dificuldades enfrentadas neste perí­odo.

A diretora do Sintrajufe/RS Mara Weber reforçou que o sindicato tem buscado formas de melhorar essa situação, tanto em diálogo com as istrações quanto ouvindo a categoria sobre a situação enfrentada por cada um e cada uma. Mara reafirmou que a entidade está sempre à disposição de servidores e servidoras para tratar tanto de casos especí­ficos quanto da luta geral por melhorias nas condições de trabalho e proteção à saúde fí­sica e mental da categoria. Queremos que todas e todos saibam que ninguém precisa sofrer sozinho. Estamos aqui pra acolher e buscar uma saí­da , destacou.

A diretora Cristina Viana lembra que, embora em trabalho remotonecessário para a garantia da saúde e da vida das servidores e dos servidoras (e também do restante da sociedade, já que diminui a circulação de pessoas nas ruas) “, não se deixou de trabalhar e atender a sociedade. Os relatos, na verdade, são de que os e as colegas tiveram as jornadas aumentadas. Assim, apontou, é necessário ter consciência do que significa o trabalho à distância e intervir nessa dinâmica como sujeitos.

O Sintrajufe/RS possui, atualmente, dois grupos focais: esse, temático, e outro que reúne literatura e atendimento psicológico. A próxima reunião do grupo temático será no dia 7 de abril, retomando a discussão sobre trabalho remoto.