SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT 48562h

“LIMBO JURÍDICO” 2b6c2l

Apps de “bicos” em supermercados: jornadas de até 12 horas, cobrança por uniforme, sem vale-transporte nem qualquer direito trabalhista 3o2l1a

Depois de motoristas, entregadores, faxineiros e garçons, agora é a vez de estoquistas e repositores de mercadorias usarem aplicativos para conseguir “bicos”, sem direitos trabalhistas, em supermercados de todo o país. As jornadas podem chegar a até doze horas diárias, por cerca de R$ 140,00, sem vale-transporte nem auxílio-alimentação, e com uniforme pago pelo próprio trabalhador. A expansão do modelo de aplicativos sobre o segmento acontece no momento em que as práticas de “pejotização” e “uberização” estão tendo as discussões na Justiça do Trabalho suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A necessidade da revogação da reforma trabalhista e da lei das terceirizações fica cada vez mais evidente com a expansão de formas de contratação que servem apenas para driblar a legislação trabalhista.

Plataformas como Helppi, iWof e Switch prometem gerar renda para trabalhadores e reduzir o custo da folha salarial para varejistas. Elas se apresentam como meras intermediárias entre as partes, sem vínculo empregatício nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Após preencher um cadastro e ar por um treinamento online, o profissional se candidata para tarefas anunciadas no aplicativo pelos supermercados, como o Grupo Pão de Açúcar, quinta maior rede do Brasil.

A atuação dessas plataformas está na mira do Ministério Público do Trabalho (MPT). No fim de março, o órgão entrou com uma ação civil pública contra a Switch, sediada na capital do Espírito Santo. Segundo o MPT, o app funciona na prática como uma terceirizadora de mão de obra, e os trabalhadores não podem ser considerados autônomos. O MPT pede que a Switch pague uma indenização por danos morais coletivos de 10% de seu faturamento e siga a legislação federal para regulamentar a prestação de serviços temporários e terceirizados.

Trabalho intermitente 3u5e5b

A ação cita como possibilidade de contratação o regime “intermitente”. Criado pela reforma trabalhista do governo Michel Temer por demanda de bares, restaurantes e varejistas, o formato prevê o pagamento de direitos, como férias, 13º salário e contribuição previdenciária, de forma proporcional aos dias em atividade.

O setor supermercadista é um dos principais geradores de emprego formal do Brasil, com cerca de 9 milhões de postos. O modelo de contratação por aplicativos acontece no momento em que as práticas de “pejotização” e “uberização” estão tendo as discussões na Justiça do Trabalho suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “A jurisprudência do Supremo tem incentivado essa postura devoradora de contratos de trabalho regulamentados”, afirmou ao UOL Silvana Abramo, desembargadora aposentada do TRT2 e pesquisadora da Universidade de São Paulo.

Diante da preocupação de que qualquer contratação alternativa à CLT possa ser autorizada, incluindo aquelas já consideradas fraudulentas pela Justiça do Trabalho, foi realizada, em 7 de maio, a Mobilização Nacional em Defesa da Competência da Justiça do Trabalho, que no Rio Grande do Sul reuniu centenas de pessoas em atos em Porto Alegre (LINK) e no interior (LINK).

R$ 73,50 por uma jornada de 6 horas 5v6h2c

Antes de começar a trabalhar, o candidato precisa ar por um treinamento online e tem de desembolsar R$ 70,00 para comprar uma camiseta e uma bota. O colunista Carlos Juliano Barros, do UOL, conversou com repositores de mercadorias recrutados pela Helppi para atuar em lojas do Grupo Pão de Açúcar na cidade de São Paulo. A empresa tem faturamento de R$ 20 bilhões.

Uma das entrevistadas contou que a plataforma reteve o primeiro pagamento para quitar a despesa do uniforme. Por uma jornada de seis horas, o app oferece R$ 73,50. Os trabalhadores e trabalhadoras não são informados sobre o valor da comissão paga pelo supermercado à plataforma. Outra repositora relatou já ter emendado dois turnos seguidos para receber cerca de R$ 140,00: “Não sei nem como aguentei”, comentou. Sem auxílio para alimentação, ela contou que consome comida trazida de casa ou compra produtos diretamente no supermercado. Também afirmou buscar tarefas apenas em unidades a uma distância máxima de 3 quilômetros, para que possa se locomover a pé. “Se tiver que pegar condução, não vale a pena”, justificou.

O funcionamento da iWof e da Switch é bastante similar ao da Helppi. No caso da segunda, os depoimentos colhidos pelo MPT mostram que os trabalhadores recebiam cerca de R$ 50,00 por turnos de cinco horas. “A situação da Switch é ainda mais grave, pois autoriza às empresas contratantes dos serviços favoritar determinado trabalhador, o que permite que uma mesma pessoa preste serviços ao mesmo tomador sem limitação de prazo e sem qualquer vínculo empregatício”, diz a ação.

De acordo com o MPT, as pessoas que buscam ocupação por meio da Switch não são realmente autônomas. “O fato de o obreiro poder escolher o horário em que trabalha ou de aceitar o trabalho disponibilizado (assumindo os riscos da punição), não tem o condão de tornar a prestação de serviço autônoma, especialmente quando sequer há liberdade de escolher a roupa que vai utilizar, o valor do trabalho e o tempo de execução”, sustenta a ação movida pelo órgão contra a plataforma. O MPT afirma que a empresa funciona como terceirizada e refuta o argumento de que o aplicativo faz uma mera intermediação, sem vínculo empregatício.

A ex-desembargadora Silvana Abramo faz avaliação semelhante: “Quando se fala em ‘liberdade’, é a liberdade do capital da empresa, porque ele se realiza sem absolutamente nenhum ônus. O aplicativo não tem despesa de transporte, de recolhimentos previdenciários, de uniformes, de alimentação, de nada”. Ela ainda ressalta que a legislação proíbe a cobrança de valores pelo fornecimento de uniformes e chama a atenção para a falta de proteção social a esses trabalhadores. “Se um repositor de mercadoria cair da escada e quebrar um braço, de quem é a responsabilidade? Ele está numa situação de limbo jurídico completo”, ilustra.

Fonte: UOL

Foto:  Tânia Rêgo/Agência Brasil